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terça-feira, 3 de maio de 2011

Concretismo

Um dos mais conhecidos e característicos estilos no design gráfico é a estética Concreta. Também conhecido como Design Suiço, foi muito presente durante as décadas de 50 e 70, profundamente ligados com o Funcionalismo Alemão de Ulm, de Max Bill. O estilo propunha uma completa separação entre design e arte, como se começou a pensar na Bauhaus.

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Concretismo e Neoconcretismo no design gráfico
brasileiro: duas visões da integração entre arte e vida
cotidiana.
Concretism and Neoconcretism in Brazilian graphic design: two
ways of integrating art into life.
Mannarino, Ana de Gusmão; Mestre em História Social da Cultura;
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
ana.mannarino@gmail.com
Resumo
Artistas concretos e neoconcretos, nos anos 1950 e 1960, no Brasil,
realizaram atividades junto à indústria, notadamente na área do design
gráfico. O presente artigo visa estudar como as diferentes nuances da
arte construtiva brasileira se manifestam também de modos diversos
na atuação dos artistas junto à indústria. Partimos dos textos críticos de
época e de textos dos próprios artistas, além das teorias estéticas com que
lidavam. Finalmente, tratamos especificamente do trabalho realizado por
Amilcar de Castro no Jornal do Brasil e como este se relaciona com o
entendimento neoconcreto da atividade artística.




Palavras Chave: Concretismo, Neoconcretismo, Amilcar de Castro.
Abstract
Concrete and Neoconcrete artists, in the 1950s and 1960s, in Brazil,
have also worked on industrial production, specially in the field of
Graphic Design. This article intends to study how the different shades of
constructive art in Brazil have also shown up differently in artists activities
related to industry. We have worked on the critical writings from that
period along with artists writings and the esthetic theories they used to
work with. Finally, we deal specifically with the work made by Amilcar de
Castro for the Jornal do Brasil and the way it is related to the neoconcrete
understanding of the artistic activity.
Keywords: Concretism, Neoconcretism, Amilcar de Castro.
7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design
Concretismo e Neoconcretismo
Alguns artistas ligados ao Concretismo brasileiro dos anos 1950, como
Waldemar Cordeiro, e, até certo ponto, Antonio Maluf e certos poetas
concretos, compreendiam a arte também como um laboratório, um
processo de pesquisa cujo resultado seria posteriormente aplicado em
atividades utilitárias relacionadas à indústria. Embora as várias vertentes
artísticas paulistas conhecidas como “arte concreta” não formassem um
único corpo, com uma mesma ideologia ou linha de trabalho, havia uma
compreensão comum da interferência da arte na vida cotidiana sob um
ponto de vista utilitarista. Essa compreensão se deve, em grande parte,
à influência que as idéias da escola de Ulm e o construtivismo suíço
exerceram à época no ambiente artístico paulista.
Em Ulm, escola de design fundada na Alemanha em 1955, a princípio
idealizada como uma retomada do projeto da Bauhaus, prevaleceram a
ciência e a tecnologia como principais referências na orientação projetual.
A escola tinha em vista, principalmente, a produção industrial e a função
operacional dos objetos, desencorajando o desenvolvimento de estilos
pessoais e a expressão individual do projetista. Este deixaria de assumir
a posição de artista para tornar-se parte de um processo maior e mais
complexo, a produção industrial, que envolve decisões acerca de fatores
que extrapolam a relação entre o artista e o objeto criado.
Predominou em Ulm o entendimento de que a Bauhaus dava ênfase
à expressão individual, e que o designer, se não quisesse sucumbir à
indústria, deveria a ela adaptar-se integrando o processo de produção
mecânica. Criticavam também na Bauhaus o que consideravam se tratar
de um idealismo formal, e contrapunham a ele uma estética que se baseava
em preceitos tecnológicos e científicos, relacionados à semiótica e às
teorias da Gestalt. Em Ulm, as disciplinas artísticas do curso fundamental
da Bauhaus, de harmonia e composição, foram substituídas por aulas de
teoria da forma e da informação, de economia e de sociologia, em uma
rejeição às idéias de inspiração e criatividade, em cujo lugar foi feita
a defesa de um conhecimento que habilitaria a excelência técnica e a
eficiência.
A estética adotada em Ulm foi a “estética da informação” formulada
por Max Bense ao longo dos anos em que lecionava na escola. Trata-se de
uma estética científica com ênfase utilitária, constatável pela pesquisa e
pelo experimento e, portanto, passível de revisão e de constante renovação,
incorporando a idéia de novidade e superação típicas da modernidade.
Tomando como modelo a teoria da ciência, supõe que a estética seria um
campo aberto do conhecimento, sujeito ao aperfeiçoamento promovido
pela investigação. Pela adoção do método científico, recorrendo ao
processo de tentativa e erro e à confrontação permanente entre hipótese e
experimento, pretendia que a estética fosse uma disciplina mediadora entre
as ciências naturais e as ciências do espírito. Se, por um lado, é uma estética
centrada no objeto, onde os ‘estados estéticos’ são visíveis e constatáveis
e, portanto, baseada na experiência, por outro, essa experiência existiria a
partir de teorias formuladas anteriormente.
7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design
Teoria e prática se influenciariam reciprocamente. Essa influência,
contudo, supõe uma cisão: são dois momentos distintos e alternados, onde
a teoria tem a finalidade de abarcar a vivência. Embora a observação e a
experiência pudessem, de acordo com essa concepção estética, promover
uma superação progressiva da posição teórica de que partiram, haveria aí
sempre a preocupação em submeter o sensível a uma ordem inteligível
que o regule e justifique. A teoria é, além disso, o motor da realização
de novas experiências, mantendo também a produção estética em uma
evolução contínua. Do mesmo modo que a teoria estética, o processo
criativo também deveria, segundo Bense, submeter-se a um método. A
subjetividade deveria dar lugar a princípios matemáticos e semióticos,
mensuráveis e observáveis, aproximando a produção artística da tecnologia
e da ciência.
Muitos artistas em São Paulo partilhavam dessas idéias, e voltaram
sua atuação em direção à indústria e aos meios de produção de massa.
Essa influência se fez sentir também na produção artística que, muitas
vezes, baseando-se nesse pensamento, veio a ser compreendida como um
estágio investigativo, uma pesquisa a serviço da produção de objetos e
da comunicação em massa. Para Waldemar Cordeiro (O objeto, 1956),
“a arte se diferencia de um pensamento porque é material, e das coisas
ordinárias porque é pensamento (…) não é expressão, mas produto”,
onde a toda forma, a tudo que é produzido pelo artista corresponderia um
valor:
É preciso compreender a tela como um plano só, como um espaço definido,
onde a composição é uma prova de dependências, e onde só não é valor o
que não corresponde à relação com outros elementos, porque o valor é um só,
e todos os elementos devem ser equivalentes na quantidade e na qualidade.
(Ainda o abstracionismo, 1949).
Para Waldemar Cordeiro e o grupo Ruptura, a arte não era uma
atividade privilegiada com relação às artes aplicadas. De maneira análoga
à concepção existente no Produtivismo Russo, eles viam uma e outra
como momentos diferentes de uma mesma prática, projeto e realização,
pesquisa e aplicação de uma idéia. Uma vez que entendiam a arte como
a concretização, ou mesmo a demonstração, de uma idéia a priori, esta
separação entre teoria e prática permitiu que concebessem a divisão
entre arte, como pesquisa desinteressada, e sua inserção no cotidiano
como aplicação prática dessa teoria. Não encontramos essa divisão no
neoconcretismo, tampouco no trabalho gráfico de Amilcar de Castro,
como veremos adiante.
Outros artistas concretos paulistas, como Antonio Maluf, não
poderiam, no entanto, ser identificados com esse modo de entender a arte
que caracteriza o grupo Ruptura. Maluf distingue seu processo daquele
fundamentado na matemática, na representação de uma realidade perfeita,
ideal. Afirma que suas “equações” são sinônimo de equivalências entre
linguagem e suporte, ou seja, ausência de representação e atenção à
forma como fenômeno, como realidade, como aquilo que é percebido
pelo olhar. Aproxima-se, assim, da visão fenomenológica de Walter
Gropius e da Bauhaus, segundo a qual a arte não seria representação, mas
atuação no real. O ponto que une a sua concepção à de outros concretistas,
no entanto, é a crença no artista como um agente capaz de intervir na
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produção industrial, contribuindo com a transformação da sociedade pela
disseminação da forma artística. A construção de ambientes e a produção
de objetos projetados seriam capazes de sensibilizar e de educar, seguindo
um pensamento influenciado, também aqui, por Walter Gropius e a utopia
bauhausiana. Nas palavras de Antonio Maluf (Vila Normanda, 1958):
O artista de vanguarda aceita o rigor e a responsabilidade decorrentes de
uma linguagem racional, adaptando-se a condições de trabalho que o fazem
assemelhar-se a um operário, o Đoperário da arteĐ. (Đ) O aparecimento e o
aperfeiçoamento da indústria são sem dúvida fatores históricos que estão na
base de toda arte contemporânea.
Décio Pignatari, poeta concreto, também acreditava na integração
da arte à produção de objetos úteis, embora a afirmasse como atividade
autônoma (Forma, função e projeto geral, 1957):
As artes visuais encontraram na arquitetura e no urbanismo, bem como no
desenho industrial, no cinema, na propaganda, um vasto campo possível de
aplicações, enquanto, por urgência de uma comunicação mais rápida e incisiva
Đ mais econômica Đ a nossa época colocava-se sob o signo da comunicação
não verbal. (Đ) A poesia concreta, por recente, apenas principia a entrever
possibilidades utilitárias na propaganda, nas artes gráficas, no jornalismo. (Đ)
Contudo, o objeto útil ou utilitário (Đ) não pode absorver toda a capacidade
de criação das artes, que ainda encontram na idéia-objeto autônoma a mais
conseqüente e profunda de suas manifestações.
Para Pignatari, os principais fatores que orientariam a atividade do
artista na indústria são a economia e a eficiência, enfatizando a facilidade
de assimilação que a comunicação visual permite. Ainda que reafirme
em seus textos a autonomia da arte, Pignatari indica uma relação entre
a arte e o mundo utilitário que se aproxima da idéia de fim da arte como
atividade independente e desinteressada. Antonio Maluf chegou a afirmar
que “para a nova arte, poderá realizar-se a profecia de Renan, segundo
a qual não existirá mais poesia no dia em que todas as coisas que nos
cercam forem poéticas”. (Vila Normanda, 1958) Segundo essa visão, a
arte, já desvinculada da representação de um ideal ou sentimento, seja por
meio de formas figurativas ou abstratas, passaria, conseqüentemente, a
não pertencer mais necessariamente ao ambiente isolador e contemplativo
do museu. A arte invadiria então a vida cotidiana, fazendo-se presente na
arquitetura, nos objetos, nas artes gráficas, nos ambientes, exercendo um
papel ativo, transformador, na vida do cidadão comum.
O movimento Concreto provocou a reação de um grupo de artistas
que lidavam também com a abstração geométrica, mas discordavam do
que lhes parecia um certo rigor dogmático, no qual não se enquadravam.
Essa discordância foi formalizada com o Movimento Neoconcreto e a
publicação de seu manifesto, onde esses artistas criticavam no movimento
concreto paulista o que consideravam uma “perigosa exacerbação
racionalista”, que reduziria a arte a valores quantificáveis, submetendo-a
à ciência e levando-a, como conseqüência lógica dessa submissão, à sua
dissolução na vida cotidiana em uma prática utilitária.
Como solução para o que acreditava levar a um esgotamento da
atividade artística, o Movimento Neoconcreto propôs a busca de um
novo fundamento, um retorno à “expressão original” e a reafirmação do
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artista como indivíduo capaz de trazer ao mundo “novas significações”.
No Manifesto Neoconcreto (1959), Ferreira Gullar, em nome do grupo,
afirmou que:
O neoconcreto, nascido de uma necessidade de exprimir a complexa realidade
do homem moderno dentro da linguagem estrutural da nova plástica, nega a
validez das atitudes cientificistas e positivistas em arte e repõe o problema da
expressão (Đ). O racionalismo rouba à arte toda a autonomia e substitui as
qualidades intransferíveis da obra de arte por noções da objetividade científica:
assim os conceitos de forma, espaço, tempo, estrutura Đ que na linguagem
das artes estão ligadas a uma significação existencial, emotiva, afetiva Đ são
confundidos com a aplicação teórica que faz deles a ciência.
Gullar se referia, principalmente, à adesão dos artistas concretos
ao pensamento estético de Ulm e a interpretação da teoria perceptiva da
Gestalt que essa adesão implicava. Via nos concretos, especialmente nas
declarações de Waldemar Cordeiro e do grupo Ruptura, um entendimento
da arte como demonstração de mecanismos perceptivos. Esse entendimento
supunha uma compreensão da visão, e da percepção em geral, como um
processo transparente e inequívoco e, portanto, objetivo e passível de
quantificação e de demonstração. Ainda segundo os artistas neoconcretos,
a redução da obra a valores quantificáveis e comparáveis que julgavam
existir no trabalho dos concretistas acabaria por negar a especificidade
da arte, as qualidades individuais do artista e a sua capacidade criadora.
O papel do homem e suas decisões teriam sido diminuídos, perdendo em
importância para valores permutáveis, determinados pela teoria da forma,
pela matemática, enfim, pela ciência.
Embora Gullar contraponha a abordagem fenomenológica de
Merleau-Ponty às teorias da percepção da Gestalt, que considerou tratar,
de um modo geral, de relações mecânicas, é a partir dessas teorias que
Merleau-Ponty parte, criticamente, para chegar à redução fenomenológica
da percepção. O filósofo sustenta, em seu livro Fenomenologia da
Percepção (1945), que o resultado mesmo das pesquisas da psicologia
da forma levam a um entendimento da percepção diferente daquele que
supõe a ciência. Ao observarem os fenômenos perceptivos, os psicólogos
da Gestalt constataram que o mundo não é codificado de modo inequívoco
e direto pela percepção e transmitido à consciência. A percepção como um
meio neutro de transmissão de informação se daria apenas em um nível
teórico. Para Merleau-Ponty, faltou aos psicólogos uma compreensão
filosófica de suas constatações, que acabaria por levá-los a “recolocar em
questão o pensamento objetivo da lógica e da filosofia clássicas, pôr em
suspenso as categorias do mundo, pôr em dúvida, no sentido cartesiano, as
pretensas evidências do realismo, e proceder a uma verdadeira ‘redução
fenomenológica’”. Argumenta que a descrição da percepção não pode
ser anterior a ela mesma, uma vez que a percepção está suposta em toda
observação de que parte a investigação científica.
Este é um ponto de vista que privilegia, sobretudo, a experiência,
com tudo o que nela pode haver de ambíguo ou indeterminado. É uma
valorização da vivência acima de qualquer discurso ou teoria. Merleau-
Ponty entende o mundo como sendo anterior a toda síntese feita pelo
conhecimento, e o “estar no mundo” como condição primeira da existência,
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enfatizando a percepção, o corpo.
O pensamento de Merleau-Ponty permite que se compreenda a arte
como um lugar privilegiado, por ser capaz de promover a experiência,
e não derivar dela. O sentido da obra estaria, assim, em sua própria
existência e em sua experimentação pelo homem, o sensível e o inteligível
não seriam mais distinguíveis, o primeiro não seria mais o intermediário
entre o homem e o segundo. A arte seria, portanto, um modo de o homem
experimentar a existência, em uma perspectiva a partir do próprio homem,
o ente privilegiado pela fenomenologia.
O Neoconcretismo se alinha à crítica feita pela fenomenologia de
Merleau-Ponty à atitude cientificista e propõe o retorno ao mundo vivido,
à experiência, à perspectiva individual. Não é possível, aqui, determinar a
precedência do sujeito com relação ao objeto, e vice-versa. Na experiência,
seriam duas categorias simultâneas que se determinam reciprocamente.
Trata-se de uma orientação contrária à estética objetiva de Max
Bense, na qual essa separação entre sujeito e mundo é não só possível
como necessária, e o sujeito teria a possibilidade de acesso a esse mundo
por meio de uma relação comunicativa, intermediado pela linguagem.
Baseando-se na fenomenologia de Merleau-Ponty e contrapondo-se à
estética de Bense e de Ulm, os Neoconcretos abdicaram da adoção de uma
linguagem codificável, de uma estética constatável, em favor da vivência
singular e não sistematizável da obra de arte.
Embora a publicação do Manifesto Neoconcreto, a formação de um
grupo, a organização de exposições e a intensa produção de textos em torno
do movimento neoconcreto possam revelar a afirmação de novas certezas,
a nostalgia e as hesitações fazem-se presentes. Na Carta a Mondrian
(1959), Lygia Clark exprime a angústia da dúvida de um ideal frágil,
instável. Seu interlocutor é Mondrian, o único que pode compreendê-la e
inspirar-lhe num momento em que ter convicção acerca de uma verdade é
uma insistência solitária:
Mondrian: você acreditou no homem. Você fez mais: num sonho utópico,
estupendo, pensou em eras vindas em que a própria vida ĐconstruídaĐ seria
uma realidade plásticaĐ
Talvez isto te salvasse da tua própria solidão. Pois eu, meu amigo, não sonho
porque não acredito. Não por excesso de realismo, mas para mim o coletivo
só existe na razão desta desordem de ordem prática e social.
(Đ) Mondrian, se sua força pode me servir, seria como o bife cru colocado
nesse olho sofrido para que ele veja o mais depressa possível e possa encarar
esta realidade às vezes tão insuportável Đ Đo artista é um solitárioĐ.
Nesse contexto, tornou-se problemática, para os neoconcretistas,
uma atuação social semelhante à que se propunham os artistas concretos
paulistas. Os neoconcretos viam no concretismo a culminância e o
esgotamento do processo crítico e autocrítico que caracterizou as
vanguardas do início do século XX. Ao levar ao extremo a questão da
não-representação em arte, a dissolução das fronteiras entre a arte e a
vida cotidiana era entendida pelos concretos como um desdobramento
esperado da atividade artística. A inserção do objeto artístico no mundo
real estaria relacionada a uma tentativa de alinhar-se com o método da
ciência de aproximação da verdade. A abordagem Neoconcreta, ao
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contrário, constituía uma resistência a esse processo. No entanto, alguns
desses artistas, como Amilcar de Castro, Willys de Castro e Lygia Pape
aproximaram-se de atividades ligadas à indústria. O estudo do trabalho
gráfico de Amilcar de Castro, especialmente aquele realizado no Jornal
do Brasil e no SDJB, conjuntamente com Reynaldo Jardim, nos ajuda a
compreender como se dá essa aproximação.
O neoconcretismo não era um movimento que funcionava de maneira
coesa e homogênea, mas tratava-se, antes, de um grupo de artistas que
trabalhavam individualmente, reunindo-se para trocar idéias. A posição
tomada pela defesa da sensibilidade na arte geométrica não se estendia
a uma orientação com relação ao trabalho. A atuação dos neoconcretos
na vida cotidiana não era, portanto, parte de um programa, da luta pela
realização de uma utopia de transformação do ambiente social pela arte.
Não partilhavam da crença de que a arte seria o lugar de uma produção
privilegiada cuja missão seria disseminar-se na coletividade, nem
tampouco acreditavam nela como um campo de realização de experiências
posteriormente aplicáveis em situações com fins utilitários.
Lygia Clark afirmava acreditar numa fusão entre arte e vida, mas
em um sentido diverso do que encontramos entre os artistas concretos.
Sua preocupação era usar a arte como um meio de recuperar a dimensão
espiritual do homem, em contraposição à técnica, e não a acompanhando.
A necessidade de expressão criativa do artista permanecia como o foco
de sua atuação, mesmo ao lidar com artes aplicadas e com arquitetura.
Em uma conferência pronunciada na Escola Nacional de Arquitetura de
Belo Horizonte (1956), ela evidencia a sua posição quanto ao tema, e já
então revela, mesmo que de maneira implícita, o incômodo que sentia
com relação à orientação ideológica do concretismo:
Se a arte concreta prescinde do caráter expressional que sempre foi a
característica de uma obra de arte individual, então é de se supor que ela já se
situe essencialmente [de modo] diferente de uma obra de arte individual em
si mesma. Daí, a meu ver, a necessidade de um trabalho de equipe em que
o artista concreto poderá se realizar realmente, criando com o arquiteto um
ambiente Đpor si só expressionalĐ.
Amilcar de Castro, o Jornal do Brasil e o SDJB
Amilcar de Castro está entre alguns dos artistas neoconcretos que
realizou uma atividade relacionada à indústria. A atuação de Amilcar de
Castro no JB e, principalmente, no SDJB, no entanto, revelou uma atitude
diversa da defendida pelos valores concretos de integração entre arte e
vida. Estava mais próxima da visão de Lygia Clark, realizando um trabalho
em que desafia o utilitário, com grande autonomia expressiva. Não tinha
a intenção de, como diagramador, encontrar uma aplicação prática para
o seu trabalho artístico. Não via a atuação junto à indústria como uma
complementação ou uma etapa necessária ao seu trabalho como escultor
e desenhista.
O ofício de diagramador era uma alternativa para a sobrevivência
do artista diante de um mercado de arte ainda incapaz de absorver a sua
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produção com regularidade. Embora Amilcar de Castro tenha voltado a
fazer projetos para outros jornais posteriormente, nos anos 1960 e 1970, e
ainda em 1998, com o Jornal de Resenhas, não se pode afirmar que, à época
da reforma do Jornal do Brasil, a atividade fizesse parte da realização de
seus projetos pessoais como artista.
Não se trata exatamente de um artista a serviço da produção industrial,
nos moldes do ideário concreto, mas de um funcionário da indústria que
realiza o seu trabalho como se fosse um trabalho de arte, o diagramador
que usa seu ofício como uma oportunidade para se expressar. Não é a arte
que se adapta às exigências de um objeto utilitário, mas o objeto utilitário
que é tratado como objeto artístico – um objeto experimental, reafirmando
o homem como ser criativo capaz de se impor à lógica mecânica do mundo
industrializado. Seu trabalho no Jornal do Brasil e em seu suplemento
foi norteado pela experimentação, a variação e a liberdade. A separação
praticada no design racionalista entre projeto e execução, que permite uma
especialização dentro do trabalho gráfico, onde um profissional define o
projeto, no caso de um jornal, e outro o executa com pequenas variações
a cada dia, não seria possível em um jornal como o SDJB, cujo projeto
se transformava continuamente, ou no conjunto de primeiras páginas
do Jornal do Brasil. Concepção e execução eram aí atividades difíceis
de serem separadas, uma vez que a cada dia se apresentavam soluções
novas, em um projeto sempre em transformação, contrariando a lógica da
indústria.
A atenção à arte como fenômeno acompanhou Amilcar de Castro
durante toda a sua trajetória como artista. Partindo de formas geométricas,
as soluções formais encontradas em suas esculturas e desenhos não são
demonstrações ou materializações de pensamentos – só adquirem sentido
ao serem confrontadas com o olhar que partilha com a obra o mesmo
espaço real e tangível. Não é da teoria que parte a obra, mas ela produz
significação em si mesma, e apenas desse modo.
Merleau-Ponty tratou dessa mesma relação entre idéia e realização,
que supõe a impossibilidade de apartá-las, ao considerar a pintura de
Cézanne (A dúvida de Cézanne, 1945): “A ‘concepção’ não pode preceder
a ‘execução’. Antes da expressão, existe apenas uma febre vaga e só a
obra feita e compreendida poderá provar que se deveria ter detectado ali
antes alguma coisa do que nada.”
Essa atenção ao fazer e ao olhar conjugados, própria das esculturas
e desenhos de Amilcar de Castro, se estende também ao seu trabalho
gráfico. No JB e especialmente SDJB, há os diagramas e esquemas a
partir dos quais as páginas serão elaboradas, mas eles são ocupados em
cada uma delas de um modo inesperado, que só pode ser explicado pela
obediência ao olhar e à sensibilidade. O uso de grides combinados para
gerar ritmos faz dos diagramas um suporte para o fazer, mas nunca uma
pré-determinação da forma.
Na leitura feita por Merleau-Ponty a respeito do trabalho de Cézanne,
o filósofo ressalta a coincidência entre sensação e pensamento. Vê na
obra do pintor um esforço em retornar à “ordem espontânea da natureza”,
anterior à “ordem humana das idéias e da ciência”, onde procura “recolocar
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a tradição em contato com o mundo natural que estão destinadas a
compreender, confrontar a natureza, como disse, as ciências ‘que dela
vieram’”. Em Amilcar de Castro, a espontaneidade procura também esse
momento de origem onde a percepção encontra os fundamentos a partir
dos quais são construídas as teorias. Em lugar da natureza de Cézanne, sua
preocupação é com a terceira dimensão e com a geometria. Quer registrar
o surgimento de ambas, o momento em que o homem, na sua relação com
o espaço, as percebe e constrói, pelo olhar e pelo gesto de quem está no
mundo imerso no espaço. Em seus desenhos e esculturas, a geometria é
força e ação, gesto e movimento. Na página, ela é experimentação, fazer
e refazer, é possibilidade e variação.
Alexandre Wollner, que antes de estudar em Ulm havia integrado
o grupo Ruptura, em São Paulo, ao contrário, faz a distinção entre ‘ser
atuante’ – o artista – e ‘ser útil’ – o designer. Explicita em suas declarações
que seu entendimento do trabalho do artista na área gráfica se dá,
principalmente, pelo desejo do artista de atingir um grande número de
pessoas, pelo cumprimento de uma função, relacionada à transmissão de
uma ‘idéia’ ou ‘mensagem’:
Embora de igual importância pelo valor criativo, a percepção e a intuição
expressas numa tela são pesquisa formal pura, fazem com que a pintura hoje
só se comunique com um reduzido público intelectual. O design, no entanto,
está envolvido no processo criativo de comunicação visual mediante a busca e
relacionamento de novos signos que, reproduzidos pela indústria (Đ) atingem
milhares de pessoas. A experiência intuitiva, assim manifestada por meio
das possibilidades científicas e técnicas, adquire outro significado; envolve
responsabilidade social, cultural e econômica, participa da transformação e
evolução do comportamento humano. (WOLLNER, 2003)
Esse é um ponto de vista que diverge daquele que observamos em
Amilcar de Castro, por relacionar a pintura a uma função, a partir da
qual se daria a união entre arte e indústria. Para Amilcar de Castro, as
fronteiras entre arte e vida também se dissolvem, mas, ao contrário, a sua
preocupação não era dar utilidade à arte, era tornar o útil artístico. Para
ele, a relação era inversa, fazer o projeto era pintar:
(...) o fato de saber desenhar, de saber organizar o espaço num desenho,
ou numa pintura, ou num desenho para uma escultura, essa experiência de
organizar o espaço aqui no papel, é a mesma coisa que fazer jornal; não tem
diferença, não. Em vez de você dar uma pincelada preta, você põe um título
de cinco colunas. (Depoimento de Amilcar de Castro prestado ao Centro de
Memória e Jornalismo da ABI em 1976 / 1977)
Essa atitude de Amilcar de Castro ao lidar com o projeto do
jornal é coerente com a sua trajetória como artista, e vai ao encontro da
fenomenologia de Merleau-Ponty. É um debruçar-se sobre os próprios
meios disponíveis, experimentando a relação entre homem e mundo,
unidos no ato criativo, não importa se se trata das esculturas em ferro,
dos desenhos a nanquim ou da página impressa, a atitude do artista é a
mesma. Ao investigar o momento em que a terceira dimensão se define
como tal, o modo como a ação se converte em geometria ou como as
letras e imagens se agrupam definindo o espaço, está buscando o não
previsto que só o fazer pode alcançar. Conforme observou Hélio Oiticica
7° Congresso de Pesquisa & Desenvolvimento em Design
(1965): “O conceito de ‘construção’ não quer indicar relações puramente
formais, mas também uma atitude, uma maneira de ser do artista diante
da criação (…)”. Essa é uma ‘maneira de ser’ que passa necessariamente
pela experimentação e pelo ‘experimentar-se’, que em uma abordagem
fenomenológica deixam de ser momentos diferentes para converterem-se
em um único ato indissociável, e que pode explicar a naturalidade com
que Amilcar de Castro passava de um meio a outro, sempre a partir do
mesmo viés, não importando muito se o destino do trabalho é a galeria de
arte, a praça pública ou a banca de jornais: “Toda experiência em arte é
um experimentar-se, é a experiência de si mesmo, é uma pesquisa em você
mesmo. (…) É por isso que eu acho que criar está junto de viver, que arte
e vida são a mesma coisa.” (Amilcar de Castro, 2001).
Sobre o Autor
Mannarino, Ana de Gusmão.
Currículo
Ana de Gusmão Mannarino é designer formada pela Esdi-Uerj (1997),
especialista em História da Arte e Arquitetura no Brasil pela Puc-Rio
(2003) e mestre em História Social da Cultura pela Puc-Rio (2006).
Dados Gerais
Rua Visconde da Graça, n.º 58 / 203 – Jardim Botânico
CEP: 22461-010 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil
Tel.: (21) 2179-7314
Referências
Amílcar de Castro. São Paulo, Takano, 2001.
AMARAL, Aracy (org.). Projeto construtivo brasileiro na arte. Rio
de Janeiro: Museu de Arte Moderna; São Paulo, Pinacoteca do Estado,
1977.
BANDEIRA, João (org.). Arte Concreta paulista: documentos. São
Paulo: Cosac & Naify, 2002.
Lygia Clark. Rio de Janeiro, Paço Imperial, 1997.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção (1945).
São Paulo: Martins Fontes, 1999.
WOLLNER, Alexandre. Alexandre Wollner: Design visual 50 anos.
São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

FONTE: http://www.designemartigos.com.br/wp-content/uploads/2010/03/Concretismo_e_Neoconcretismo_no_design_gra%C2%A6%C3%BCfico_brasileiro__d.pdf

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